sábado, 25 de outubro de 2014

produção de busão

[são paulo - americana]

que se grite


não há água
que faça brotar silêncio
sol tem, até
e adubo

mas tem também coisa demais
é coisa tanta, mas tanta,
que dá a volta na gente
e o ruído
é nuvem cinza-clara
véu de fumaça
que garante
o nada.

Desde que desaprendemos a silenciar...

não há água
que faça brotar grito que se ouça
grito tem, até
e necessidade de grito

mas tem também coisa demais
é coisa tanta, mas tanta,
em forma de nuvem, ruído, fumaça, véu e mentira e tal
que...
que o quê?
...
que a gente se perde, se esquece, se emudece.

eu não sei gritar que se ouça
porque já não sei silenciar que se grite.

***

com sangue

a moça caolha gritou:
"é esse!"
a outra moça caolha respondeu:
"é aquele!!!"
e ganhou por 2 exclamações.

Nenhuma olhou pra si.
E aquele, como esse,
ignorou-as ambas, solenemente.

O sangue que saiu da briga caolha
escorreu seção adentro
entrou na urna eletrônica
e a explodiu.

foram anos de luto.

séculos depois,
uma criança olhando fósseis
perguntou:
_ "como é que se faz poder?"
_ "com sangue, filho".

***

[in] DISTINÇÃO

todos os caminhos levam
a mim

todos os caminhos levam
a você

todos os caminhos levam
a nós

e limites.

MAS

cada caminho, um nós
cada nós, outros limites,
cada limite, nova ponte única para o desconhecido singular.

e, então, em cada inédito
pedaços, restos
de cada caminho.

se a cada caminho, um inédito específico,
pra qual inédito caminho?

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O eu, a moral, a salvação: tudo profano

Como se chega a ser o que se é > Os paradoxos da autoconsciência > Moral

[Do Larrosa, pra me salvar de mim numa praça linda numa manhã de domingo...]

O homem se faz ao se desfazer: não há mais do que risco, o desconhecido que volta a começar. O homem se diz ao se desdizer: no gesto de apagar o que acaba de ser dito, para que a página continue em branco. Frente à autoconsciência como repouso, como verdade, como instalação definitiva na certeza de si, prende a atenção ao que inquieta, recorda que a verdade costuma ser uma arma dos poderosos e pensa que a certeza impede a transformação. Perde-te na biblioteca. Exercita-te no escutar. Aprende a ler e a escrever de novo. Conte-te a ti mesmo a tua própria história. E queima-a logo que a tenhas escrito. Não sejas nunca de tal forma que não possas ser também de outra maneira. Recorda-te de teu futuro e caminha até a tua infância. E não perguntes quem és àquele que sabe a resposta, nem mesmo a essa parte de ti mesmo que sabe a resposta, porque a resposta poderia matar a intensidade da pergunta e o que se agita nessa intensidade. Sê tu mesmo a pergunta.